segunda-feira, novembro 06, 2023

Novembro: mês da "paciência" negra e outras bobagens que se diz para parecer crítico.

 

Escolha a opção que traduz melhor a sua indignação:

A) Pronto. chegou novembro, "mês da paciência negra"

B) Pra quê falar de "consciência negra" somente em novembro?

C) Papo de Dia da Consciência Negra; eu quero mais Consciência Humana.

D) Agora que é "novembro" você me chama para dar palestra de racismo?Tô fora.

E) Todas as alternativas acima.

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A lista de expressões supostamente críticas, que se levantam contra o dia 20 de novembro,  e mesmo contra o mês de novembro como um momento para toda a sociedade refletir sobre o problema do racismo e da exclusão sofrida pela população negra, é enorme. Ela não para nas alternativas que listei acima, ela segue longe..

E essas frases não expressam indignação apenas de pessoas ingênuas, ou alienadas dos problemas raciais... Não. Muitas vezes, uma dessas frases foi dita por ativistas negros. Geralmente jovens com menos de 30 anos. Elas expressam uma indignação furiosa, alimentada geração após geração por séculos de perdas e de exclusão. Elas traduzem um sentimento de quem diz: "Eu tenho pressa" essa abertura lenta e gradual não me interessa. Nós estamos muito atrás. Eles nos roubaram séculos, não podemos nos contentar com um dia, nem com 30... Precisamos do ano inteiro. E ainda é pouco!

Essa ânsia não está errada. Aliás, ninguém nem precisa de mim, para saber disso:
um 20 de Novembro pacífico é muito pouco, é quase nada, para substitui três séculos violentos em que roubaram de nós humanidade, civilização e axé.

Acontece que, quando desdenhamos desse pouco, desse quase nada, que chega até nós com o 20 de Novembro, não devemos perder de vista quem foi que nos trouxe esse "quase nada". Não podemos olhar o 20 de Novembro como uma doação do mundo branco; não podemos ver o Novembro Negro como um mês dado de presente pelo capitalismo colonialista. Se fizermos isso, estaremos dando à branquitude, o espólio de uma batalha sangrenta e histórica.

20 de novembro, dia Nacional da Consciência Negra, não nos foi dado de mãos beijadas por nenhuma autoridade branca. Ele é um marco que resulta de uma longa luta iniciada no Séc. XVII com a r-existência do Quilombo dos Palmares. A história dessa luta passa pela morte de Zumbi, atravessa o I Congressos Afro-Brasileiros de Recife (1934), quando tentou-se dar forma ao mito da democracia racial, pintando um Brasil miscigenado nas encruzilhadas que sobejavam entre Casa Grande & Senzala, quando o negro era o adjetivo de uma questão. Um objeto de estudo.

20 de novembro superou a ideologia da democracia racial, também no Congresso Afro-Brasileiro de Salvador. (1937), organizado pela importante figura de Edison Carneiro, intelectual negro que deslocou a cultura africana para o status de categoria visível no campo acadêmico e objeto sociológico legítimo. Mas, ainda assim, algo inferior.  20 de novembro carrega em si o espírito do 1º Congresso do Negro Brasileiro (1950), construído por nomes como o próprio Edison Carneiro, Ruth de SouzaGuerreiro Ramos e Abdias Nascimento.

20 de novembro, dia nacional da Consciência Negra, não é uma data a que chegamos por qualquer condescendência, é um feito da ancestralidade para sua descendência. É uma data que nos chega como a voz firme e altiva de um Negro Revoltado (1968). E é assim que precisa ser recebido. 

20 de Novembro nos remete ao Movimento Negro Unificado, que eclodiu nos anos 70 como Movimento Unificado pela Igualdade Racial. Uma revolta negra e sábia que foi liderada por militantes negros de Norte, como Nestor Nascimento (de Manaus), e do Sul do País, como o  Oliveira Silveira.

A data, que nos remete ao assassinato de Zumbi dos Palmares, depois de muitas vitórias, morto em batalha por um bandeirante paulista qualquer, foi recuperada do esquecimento por um grupo de pessoas negras estudiosas da diáspora africana, que vasculharam o nosso passado com a tenacidade de um incansável Oxóssi. O Grupo Palmares, do qual participavam Oliviera Silveira e Antônio Côrtes. Intelectuais que se reuniam no início dos anos 70, no vácuo do pensamento livre, imposto pelo regime militar, que obrigou ao exílio lideranças como o próprio Abdias Nascimento entre muitas outras. Foi esse grupo que levou entre 1971 e 1978 a ideia de enaltecer a data como uma celebração do povo negro no Brasil.  Depois de encampada no nível nacional pelo Movimento Negro, em 1978, a data continuou como uma reivindicação nossa, um firme contra-ponto ao benevolente 13 de maio, reconhecido inicialmente em 2003, como data para o calendário escolar, e somente em 2011 assumido pelo Estado como data no calendário de comemorações oficiais.

Sim, estamos ciente de que não é um dia, ao longo de toda a história que vai fazer a diferença, entre um pais racista e um pais antirracista. Mas, pensem comigo: Ninguém acorda mais consciente de seus deveres sociais, na manhã do dia em que completa 18 anos, nem ganha mais consciência política para votar corretamente, no dia em que completa 16. Essa consciência é obtida - ou não - ao longo do tempo. Mas, mesmo assim, todo mundo aceita que ela seja definida oficialmente em uma data qualquer, que representa um dia, um recorte no tempo. Assim, também é com o 20 de Novembro.

Então, se você é negro, ou antirracista, quando for expressar sua indignação pelo "tão pouco" que há em 20 de novembro, tenha isso em mente: 20 de novembro, parece pouco, mas é uma grande conquista nossa. Das pessoas negras que lutam por igualdade racial. É um recorte do tempo que nos permite criar espaços para nós mesmos. Um "quando" que pode vir cheio de "territórios" a partir de onde podemos ganhar mais tempo pra nós, no passado, no futuro  e sobretudo no agora.

pessoas negras, segurando cartazes e faixas com inscrição "Movimento Negro Unificado" e "20 de novembro"

 

Algumas Fontes para ler Mais:

*Memorial da Democracia

* Geledés

*IPEAFRO

CAMPOS, Deivison Moacir Cezar de. O grupo Palmares (1971-1978) : um movimento negro de subversão e resistência pela construção de um novo espaço social e simbólico. 2006. 196 f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

SILVA, Mozart Linhares & Skolaude, Mateus Silva (2020). 1º Congresso Afro-Brasileiro (1934), biopolítica e democracia racial: implicações na educação contemporânea. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Vol. 12, n 23. Jan.-Jun. 2020.

ZORZI, J. A.(2022).  O 20 de Novembro (1971-2021) e a emergência de uma data afro-brasileira: da Princesa a Zumbi. Aedos, v. 14, n. 31, p. 111-132, jul.–dez., 2022.


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