quarta-feira, novembro 27, 2019

O décimo quinto integrante da Devotos: eu no festival comLula Livre




Como disse na postagem do Facebook ao ver "minha" banda - Devotos (PE) - escalada pra tocar no Festival com Lula livre em Recife: "cada um vai como pode".
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Eu só podia ir, nessa condição. Na condição fantasiosa de décimo quinto integrante da Banda. E foi assim que eu fui.  Eu tava lá com Lula Livre, e com a Devotos!

Como eu percebi que fazia parte da Devotos eu conto a seguir:
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Não lembro exatamente o ano - isso é para Historiadores(as) e Jornalistas - Sei que o local era o Maluco Beleza e o evento era um Show da Devotos (Abril pro Rock?). Nos dias anteriores, eu tinha acompanhado Neilton Carvalho, como uma espécie de aprendiz de artesão medieval, dando uma força na estampagem das camisetas, na montagem das caixinhas que embalariam a fita k-7 "Vida de ferreiro" e na pintura do pano de palco da banda.
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Claro que Neilton fazia quase tudo sozinho. Eu - ao contrário dos aprendizes de verdade - não preparava o material ou limpava os instrumentos para o mestre trabalhar sem embaraços, apenas finalizando o processo e recebendo os créditos pela obra toda. Eu, não. No máximo, esticava uns tecidos quando o braço dele não alcançava sozinho, ou fixava uma armação de Silk Screen, pra ele espalhar a tinta com as outras duas mãos enquanto escorava a bancada improvisada e cambaleante com uma das pernas. Mas eu olhava tudo que ele fazia com a atenção e a admiração de um aprendiz - se, de fato, não aprendi nada, foi por pura incapacidade minha, porque o mestre estava ali.
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Além de olhar muito, eu também ouvia. E, se você souber ouvir, pode ter certeza que Neilton vai falar. Não é que eu seja um cara calado - quem me conhece sabe que eu falo, e muito. Mas Neilton, quando está na "oficina" - já que ele se recusa a definir seu local de trabalho como Atelié e sua obra como Arte (talvez aceite "artemanhas").
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Enfim, quando está trabalhando Neilton não é a figura de um monge escultor beneditino, compenetrado,  mergulhado em suor e silêncio. Essa é a imagem dele quando ele está no palco, tocando uma de suas já muito faladas "guitarras-ciborgue". Na oficina Neilton é outro. Quem conhece, sabe que o cara fala, visse? Sempre tem uma história. Um acontecido; um buruçu, um rolo, uma bronca que ele precisou resolver, uma pessoa fascinante que ele conheceu; uma presepada que alguém aprontou e que ele viu ou ficou sabendo.

Mas boa mesmo são as dicas de Neilton. Ele sempre tem uma muito boa, sobre quase tudo que vale a pena saber no mundo das artes ou das artemanhas. Dicas musicais, eletro-eletrônicas ou gráfico-visuais... até mesmo dicas sobre conduta ética e atitude pessoal - sobre esses tópicos Neilton é uma referência, uma espécie de conselheiro, uma autoridade reconhecida, ainda que várias vezes contestada - porque a galera não se contenta em pedir conselho, querem que o conselheiro diga algo que eles se agradem ao ouvir. Mas aí, se ele fizesse isso, não seria Neilton.
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Neilton, fala muito, mas é direto. Objetivo e sem adornos. Aliás, talvez o negócio não seja que ele fale muito, e sim que ele tenha muito a dizer. Mas, como eu - que não tenho tanto a dizer, e por isso falo pelos cotovelos - ia dizendo sobre o show dos Devotos do Ódio no Maluco Beleza, cuja data não lembro. Dificilmente eu teria grana para ir nesse show se não tivesse descolado esse trabalho de "aprendiz" com Neilton.
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Depois de uma semana batendo papo e segurando as camisetas pra ele pintar, eu estava agora incumbido de vendê-las.  E durante as vendas eu caminhava pela área, com uma mochila nas costas e uma camiseta pendurada num cabide - como mostruário. E Assistia aos shows. Era uma das primeiras edições do Abril pro Rock (segundo informação de Neilton, era a 4a. edição). Nessa hora, um cara se aproximou de mim pra elogiar o trabalho da Devotos. Ele disse que tinha vindo do interior, só pra ver a Devotos e soltou: "O som da banda de vocês é muito massa, velho!" Eu fiquei lisongeado por ser incluído na banda, mas não podia assumir os créditos pelo trabalho dos caras. Expliquei que eu não era da banda. Só estava vendendo as camisas. Ele me corrigiu: "É sim, você não tá com os caras, fazendo aí sua parte? Então você é da banda!".
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O primeiro impulso foi revisar os papéis de cada um dos integrantes do trio. Neilton como ja disse "fazia tudo". Era o cara das engenharias, da casa de máquinas, a indústria cenografista e ilustrador, além de tocar fogo nos palcos com suas guitarras de sucata; Celo o cara da cozinha, dos bastidores, uma espécie de despachante do submundo, nos corres e agendas, documentos e inscrições que ninguém queria fazer... e ainda segurava aquela artilharia pesada na bateria no fundo do palco... e Cannibal. Porra! Cannibal  é Cannibal. Que mais se pode dizer sobre o cara que era a alma daquele corpo? ao mesmo tempo ele é "frontman" e the "insideman"... já eu... eu não me via na banda
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Mas, quem era eu pra discordar daquele fã? Acho que do ponto de vista dele, devido à distância, eu era bem próximo da Devotos. Afinal, comparado com ele, eu era mesmo um integrante. Fiquei tão enpolgado com essa conclusão que pensei em me colocar como o quarto integrante do trio Devotos do Ódio. Mas aí pensei em todas as pessoas que deram sua contribuição para a Devotos. Além de Neilton, de Celo e de Cannibal e que, de uma maneira e de outra são integrantes da banda como eu - e alguns tinham até mais tempo de casa... (salve, uóli; Adilson; Jailson; Jaiminho... Marcelo...Bá! Salve todo mundo que deu suor ali antes e depois de mim!) ...fui pensando melhor e vi que pra ser justo eu deveria esta alí entre os trinta e seis integrantes da banda... mas como eu sou ambicioso e carreirista, me coloquei logo entre os quinze integrantes... conta-se aí uns onze ou doze na minha frente, em torno da Guitar Band Hard Core mais  acolhedora da história do rock.
Este sou eu. O décimo quinto integrante da Devotos, fazendo minha parte em mais um show da Banda...