quinta-feira, maio 28, 2020

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus

Quando? acho que era 1991 ou 1992; Onde? Em Recife, no bairro das Graças, na vizinhança da ETEPAM, também conhecida como Escola Técnica Estadual Professor Agamemnom Magalhães. E quem? A figura principal desta história tem o mesmo nome de personagem de uma canção da Legião Urbana... mas na época, eu ainda não sabia o seu nome. Nem sabia que ela existia... quem chamou minha atenção para sua existência foi uma colega, que apontou pra ela no outro lado da rua, da varanda da sala de desenho, onde ficávamos nos intervalos das aulas. (parece que essas varandas foram interditadas aos alunos e seguem refletindo uma política educacional que parece se valorizar mais pelo que restringe e menos pelo que estimula na vida de estudantes.)...
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A colega mostrava-se interessada pela figura, intrigada com o fato - para ela esquisito - de que a jovem protagonizava uma cena rotineira. Um casal, uma moça e um rapaz (naquela época este adendo era desnecessário por óbvio, mas hoje, felizmente, esta marca heteronormativa caiu em desuso) dirigia-se ao ponto de ônibus, entre risos e abraços, trocas de carinhos e beijos, de modo descontraído e ao mesmo tempo teatral. Um misto de "só existe você e eu" com "tá todo mundo olhando pra gente". O casal de amantes ficava por ali, um tempo, até que chegava o ônibus. Um deles subia, relutante, despedindo-se pela janela, enquanto o outro, solitário seguia à pé, voltando na direção de onde tinha vindo... O que deixava minha colega de varanda intrigada, (talvez até chocada), não era esse ritual romântico de um amante acompanhar o outro, até o ponto do ônibus; mas o fato de que o amante que ficava era sempre a mulher do casal , enquanto o homem partia, seguro no coletivo... isso era, para minha colega observadora, uma inversão de papéis, com a qual ela não estava acostumada... se hoje, parece que eu não concordo com ela, na época, não esbocei nenhum traço de reflexão feminista. Pelo contrário, aderi pacificamente ao cordão dos escandalizados com aquela menina... e a vida seguiu.

"Algum tempo depois..."
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Fiquei sabendo que aquela menina, era a mesma com quem um outro colega estava namorando. Desta vez o fato intrigante envolvia, além da mesma jovem e um outro colega, um terceiro. Não exatamente por um triângulo amoroso. Mas pelo fato de que os três, costumavam ficar próximos,  passando tempo livre no pátio da escola, enquanto o casal, trocavam seus beijos e abraços como seria de praxe, o terceiro permanecia do lado, numa prosa leve, e tranquila com os dois... razão pela qual era acintosamente acusado de bancar o "segura-vela" (aposto que você riu, mas era assim que se identificavam ainda nos anos 90, a figura que acompanhasse um casal de namorados, sem ter nada melhor pra fazer, pois o poli-amor, tinha ficado nos anos 60, e dado dor de cabeça para nossos pais). Pelo que me lembro, posso estar invertendo a ordem dos fatos, e esta segunda narrativa seja anterior à primeira. O importante é que são duas cenas em que a jovem, homônima da alma gêmea do Eduardo de Renato Russo, aparecia escandalizando os costumes da época (aposto que você riu de novo... mas é verdade, os costumes dos jovens nos anos noventa eram quase tão caretas quanto o governo do Brasil de hoje... de onde você acha que veio todo esse apoio à família, tradição e propriedade?).
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"Segura vela de amor platônico...
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Por fim, numa terceira cena, fiz contato com a moça, Mônica Johnston, aliás, a única que vai ser nomeada nesta história, porque esta postagem é uma resposta carinhosa ao seu desafio de facebook, sobre quem lê suas mensagens (uma coisa chamada fruta-pão, ou algo assim). E um breve resumo de como passei de observador escandalizado a fã incondicional de sua figura. Como dizia, na terceira cena, encontrei Mônica, agora não mais como um pronome da terceira pessoa, mas uma segunda pessoa, um Tu cheio de afeto e respeito. E logo depois num caloroso plural, nós. Conversávamos os três. Ela, um novo amigo e eu... A verdade é que esse nosso novo amigo, estava mais interessado nela, do que em mim. Mas, por achar que ela e eu, éramos amigos de longas datas, foi me dando espaço na conversa dos dois... E eu, que do meu ponto de vista, fazia dois novos amigos, fui tratado como se fosse velho amigo de ambos. E acabei sendo mesmo... velho amigo de ambos. Por algum motivo, e por várias vezes sentia que eu estava agora no lugar daquele terceiro amigo da história anterior, sendo eu o segura-vela. Pra fazer uma analogia poética com a canção de Renato Russo, poderia dizer que ela era Mônica, ele Eduardo e eu: o próprio Renato, porque "nossa amizade dá saudades do verão"... mas assim como eu estou longe de ser Renato Russo, o meu amigo não tinha nada de Eduardo... Mas ela gostava mesmo de Manuel Bandeiras e conhecia as músicas do Bauhaus..
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Inclusive, ela chegou a me dizer que conhecia um peruano chamado Pablo. Mas essa já é outra história
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Né Mônica?