A julgar por
alguns artigos da Edição Especial de fim de ano da Carta Capital, 2015 foi um
cocô. Para o colunista Marcos Coimbra, “Termina um dos piores anos da nossa história
recente. Talvez nenhum desde a ditadura tenha sido tão ruim.” Para o próprio
Mino Carta - que analisa no Editorial, não só os problemas nacionais, mas o progresso
da humanidade como um todo - a questão não é de difícil solução: basta um pouco
de ironia e bomba atômica:
“O problema mais sério a afligir a civilização em progresso é a superpopulação do planeta, mas não há guerra atômica que não possa resolvê-lo.”
Eu, como gosto
mais de ironias do que de bombas atômicas, gostei do tom geral da Revista que
nos convida a “Rir para não chorar”, mostrando que, se a literatura da América
Latina presenteou o mundo com “O Amor nostempos do Cólera” A política nacional dá a deixa para o Humor em tempos de
Cólera.
Dizer que a
política “dá a deixa” é um eufemismo, porque nossa política tem sido um
festival de piadas prontas, deixando quase sem material para trabalhar humoristas
profissionais como a equipe do Porta dos
Fundos, ou do Jornal Sensacionalista, que precisam de criatividade extra
para distinguir suas ficções e personagens, de “fatos reais”, de políticos “famosos”
e de jornalistas “sérios”... e haja
aspas!
A existência
dessa confusão entre o ridículo da realidade e o risível da ficção, por si só
já lança uma dúvida sobre a assertiva pessimista do Marcos Coimbra: “Termina um
dos piores anos da nossa história recente…” ? Talvez nenhum desde a ditadura,
tenha sido tão ridículo! Não dá pra dizer se foi o pior mesmo, ou o menos sério
de todos... mas o Brasil nunca foi tão ridículo: A pior Crise! A maior pedalada
fiscal! A maior corrupção da história! A revolução das panelas! Carteira Assinada
extinguindo o emprego das domésticas!! Brancos sendo oprimidos por sua “opção
racial”!! Bichas agredindo o crucifixo! Negros da zona norte do Rio querendo
passear em Copacabana!! E a polícia sendo criticada por ter uma boa pontaria!!!
Que foi um ano
ruim pra muita gente, e u não tenho dúvida; que foi o pior para alguns de nós,
eu tenho certeza. Mas, em primeiro lugar é preciso lembrar que nem todo fiasco
foi mal de todo. Em segundo lugar, Aécio Neves.
Mesmo com
todos os desencantos de 2015, eu teria uma lista de conquistas e eventos para celebrar,
assim como conheço pessoas que teriam uma lista parecida. Como não sou tão
arrogante a ponto de achar que fazemos parte de uma elite, ou de casos
excepcionais, estamos cientes de que fazemos parte de uma estatística que a imprensa
convencional e os analistas pessimistas fazem questão de obscurecer.
Para os que
duvidam do caráter intencional desse obscurecimento, um dica: pesquisem a ingênua
expressão “a pesar da crise”. E vejam, por exemplo, o meu conterrâneo Diário de
Pernambuco, que parte do chavão “Apesar da crise, dados mostram redução dapobreza extrema e desigualdade”, e passa por uma matéria que mostra quatro
pernambucanos que estabeleceram carreiras de sucesso em 2015. Mas, elege como
manchete de capa a cínica frase da mais pura urubologia: “País que deu um salto
ameaça tropeçar”.
Em comparação
com a “era de ouro” implementada pelo idolatrado e abominado Presidente Lula, o segundo
mandato da Presidenta Dilma, é mesmo um fiasco. Mas é preciso ampliar o
parâmetro de análise. Se alguém poderia reclamar as honras de ter feito melhor,
é ele, pois ele é “o cara”. Os outros só podem ficar calados, pois não chegaram
nem perto, ou fizeram tudo que puderam para atrapalhar o governo dela, que
deveria ser mais respeitada. Por ser "a coroa" mais honesta e digna do que qualquer "cara" que já tenha usado aquela fitinha verde e amarela sobre os ombros.
Quando falo em situação ridícula, penso nessa molecada, reivindicando “sucrilhos no prato”, que
paga de vlogueiro irreverente na internet e depois desfila engravatado, em ares
pomposos repetindo num discurso pungente (sic!) o catecismo fascistóide e neo-liberal
em seções especiais na plenária da Câmara. Esse pessoal não sabe da missa, um
terço.
Mas quem foi
criança nos tempos da ditadura (nos suspiros finais, é verdade) e cresceu na
democracia da Nova República, lembra do Brasil que havia debaixo do bigode do
Presidente Sarney, do Nariz do Collor e do Topete do Itamar.
Eu lembro bem das horas
que passei na fila do ticket leite; ou subindo e descendo ladeira em busca de uma
lata d’água; esperando minha mãe voltar do trabalho como um “vale-adiantamento”
pra pagar o fiado na venda e poder comprar o jantar; das várias vezes que
religamos na clandestinidade a luz cortada por falta de pagamento; das muitas
vezes que fui estudar às custas de um motorista bondoso que me deixava entrar pela
porta dianteira porque eu tinha usado o passe estudantil para comprar comida.; de
muitas outras histórias de exclusão financeira, vividas por mim e pelos meus
vizinhos. Lembro de tudo isso quando falo em ampliar o parâmetro de análise
para contornar as conclusões mais pessimistas sobre o saldo do ano.
Não quero
desmerecer as críticas fundamentadas: eu também esperava mais do ano e do governo. Sobretudo
em termos de políticas públicas. E claro que muitas tragédias atingindo cidades
e famílias no Brasil e no mundo, silenciam qualquer esboço de comemoração
alienada. É preciso ser reverente diante de tanta dor...
Além disso, está
mais do que evidente o endurecimento da resistência racista, machista e
homofóbica, como reação contra o avanço dos direitos humanos atingindo em especial
as mulheres negras, famosas ou menos conhecidas, cis ou trans, putas ou santas.
É difícil ficar tranqüilo diante de tanto horror...
Mas, não
poderia desconsiderar a abundância de histórias de vitórias e de prosperidade,
envolvendo as pessoas que me rodeiam, pessoas mais ou menos distantes. Que formam um conjunto, ou uma estatística,
sistematicamente obscurecida pelo pessimismo dos mais sinceros e pelo
oportunismo dos mais cínicos.
Cheio de reverência pelas perdas e indignado
diante da violência, eu mantenho minha esperança no ano que começa
amanhã, com base na evidência de que muito foi conquistado e mantido, por mim e
por muitos outros, sobretudo mais pobres que eu (considerando minha origem, haver
gente mais pobre que eu já é, em si, um sinal de desenvolvimento social).
_ A gasolina
está mais cara?
_ O posto onde eu abasteço contratou mais frentistas;
_ A comida
está cada vez mais cara? Aqui na esquina abriu uma cervejaria com petiscos
deliciosos e vive lotada;
_ A conta de telefone está alta?
_ Falo com familiares no
Rio e em Recife pelo Whatsapp diariamente;
_ O índice de preços ao consumidor é o
maior dos últimos anos?
_ Compras pela Internet batem record, e o Shopping que
abriu recentemente na vizinhança está superlotado;
_ O gás de cozinha está muito
caro?
_ O revendedor acaba de ampliar o espaço para responder ao aumento da
demanda local.
... e por aí, vai...
... e por aí, vai...
E eu vou dizer com tranqüilidade que sei que nem tudo é culpa da Dilma, porque ela provavelmente não votou no Eduardo Cunha. Talvez seja tudo culpa do Sarney, porque ele, sim, votou no Aécio.
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