Toda
vez é a mesma coisa… aparece uma tragédia e “o povo” se junta
para se ajudar.
E “o
povo” já vem reclamando que “o governo” não faz nada pelo
povo… é sempre um tal de: “por nós, só nós.” “É nós por
nós”… “Tudo que nós tem é nós” (um salve pra Emicida)
Então
tá. É verdade que os nossos governantes, em geral, não fazem mesmo
nada pelo povo.
Mas,
me explica aí: não é o povo que seleciona esses governantes por
meio das eleições?
Que
eu saiba, a gente não vive numa monarquia (eu sei que tem uns e
outros que queriam,
mas, não meu rei, não vivemos!). A gente
não vive numa ditadura (eu sei que tem gente aí,
na porta dos
quartéis chorando por um talinho de ditadura, mas a dita dura não
entrou).
Aliás, é bom que se diga: a ditadura e a monarquia, meio que continuam existindo em alguns
lugares, bem específicos.
A
ditadura militar continua valendo nas favelas, ela explode violenta
de domingo a domingo, nos becos, clubes e campinhos, principalmente
onde encontra os jovens negros em momentos de alegria. Já a
monarquia segue sendo soberana nos Alphavilles repletos de carro
importado. Nos condomínios fechados, os imperadores brancos
continuam compensando sua disfunção erétil com o revólver que
esfregam na cara e nas costelas dos entregadores, com os gritos e
escárnios que cospem até contra a Polícia Militar.
Lógico
que tanto os moradores do reino do condomínio fechado, quanto os
sobreviventes do campo de guerra das favelas pagam seus tributos ao
tal do “governo”. Que vive mais como um “morador de condomínio”
e sempre deixa “o povo” na mão.
Esse
governo de homens é bem diferente do rio e de todas as forças
naturais que, quando ativam seu poder, arrastam tudo sem
discriminação. A lama de Nanã quando desce o morro, vem abraçando
com a mesma generosidade, casebres e mansões. As águas de Oxum
quando tocam nos telhados dos galpões Shein de artigos importados,
mantém a mesma dignidade com que cobre os telhados dos galinheiros e
dos canis. O lodo, o bolor e os vermes de Omolu se alastram pelo
corredor de vidro e azulejo dos hotéis, com a mesma determinação
com que se infiltram pelo portãozinho enferrujado dos quilombos. A
natureza é uma força que nos nivela, iguala e revela que, se não
formos nós por todos nós e pelo mundo, não vai ter governo nenhum…
Mas,
voltando à minha pergunta: não é o povo que monta o governo?
Na
hora de escolher os governantes, porque não é “nós por nós”?
Porque “o povo” escolhe seus governantes entre os que governam
sem o povo; ou até contra o povo? Porque sempre são eleitos para
governar os “moradores de condomínio” enquanto o povo das
favelas, não é escolhido?
Me parece que “o povo” ao
contrário das forças naturais, não entendeu ainda que somos todos
iguais. “o povo” age como se alguns entre nós, fossem especiais
e por isso mais aptos a nos governar. Essa é a maior e mais
importante mentira que os governantes conseguiram sustentar até
hoje. A mentira que diz que “povo” e “governo” precisam ser
diferentes.
Parece
até que “o povo” tem medo de se reconhecer no “governo”…
Tanto é que, sempre que “um do povo” passa a ser ou tenta fazer
parte do “governo” assumindo ou se candidatando a um “cargo
político” esse “um do povo” geralmente passa a ser visto com
desconfiança. “o povo” já não se reconhece naquela pessoa que
procura estar no “governo” - “vendido”, “traidor”,
“corrupto”. Por mais que a pessoa, vinda “do povo” tente se
manter crítica e fiel à sua herança, mais cedo ou mais tarde, na
visão do “povo”, ela cumpre a profecia e confirma as acusações
e desconfiança “do povo”…
Mas,
eu me pergunto: é a pessoa que quando entra pra política e
participa do governo, se afasta do povo? Ou é o povo que,
acreditando muito naquilo que “o governo” diz, afasta-se das
pessoas que vieram do povo?
Quantas
vezes não vemos uma pessoa do povo, agindo publicamente em benefício
do povo e essa pessoa, mesmo sendo do povo, começa a ser alvo de
críticas, de suspeitas sobre suas intenções. Muitas vezes essas
desconfianças são plantadas artificialmente no meio do povo, por
aqueles que mais se beneficiam “do governo” que são os grandes
empresários e herdeiros de grandes fortunas, ou seja, não são “o
povo”.
Vejam
o exemplo daquele motoboy que tentou mobilizar uma greve, e viu sua
movimentação ser atacada por uma agência de publicidade contratada
para esse serviço. Pesquisem no site da AGENCIA PÚBLICA [1]. Uma das
acusações era de que ele “queria se candidatar a vereador” (e
por isso deixaria de ser “do povo”). Do lado oposto, é curioso
como entre aqueles que não defendem realmente o interesse do povo,
eles rapidamente se lançam e se elegem em cargos políticos,
assumindo tranquilamente a sua condição natural de “governantes”.
Sem nunca terem sido realmente “do povo”.
Diante
dessa contradição em processo, esse elo entre “povo” que não
governa e “governo” que nunca faz nada pelo povo, espero que “o
povo” pare de fazer pelo governo, e passe a eleger entre os seus,
eleger entre os que são realmente do povo. Sem medo. Um governo
popular, sem ditaduras e sem monarquias. Sem militares nem reis,
simplesmente feito pelo “povo”. Um governo do povo sem medo e sem
desconfiança, para chegarmos numa verdadeira democracia civil.
Já
que tem sido assim “nós por nós”. Vamos levar esse lema a
sério. Sejamos por nós também nas eleições. Escolha uma
candidata ou um candidato em que você veja realmente “o povo”.
Se você estiver com dúvidas, tenho algumas dicas que vão ajudar
você a se decidir, já para essa eleição de 2024. Em primeiro
lugar, não tenha medo do povo. Não desconfie do povo, acredite no
povo.
Sabe
aquele influenciador de internet com milhões de seguidores,
perseguindo professores pelo assunto ou livro que eles usam em sala
de aula. Isso não é “o povo”; os que se apresentam como:
“O
General do Exército”, “Major ou Coronel da PM”, ou mesmo o
“Delegado” ou “O Pastor da Igreja Maioral do Senhor do
Universo”. Nada disso é título para quem é “do povo”. Sabe
aquela pastora de uma igreja “evangélica”, que invés de pregar
o “evangelho”, faz vídeo falando do diabo, do demônio, do
inferno e de política? Demonizando candidatos e partidos políticos?
Isso também não é povo. Sabe aquele empresário rico, que explora
os funcionários, e invés de pagar os direitos da sua equipe de
vendas, vive fazendo live para criticar o político X ou Y? Isso
também não é povo. O apresentador da TV, herdeiro de família
milionária, dono de iates e jatinhos particulares? Ele também não
é “povo”. Tudo isso é “morador de Alphaville”.
Povo
é a professora da escola pública, que luta pra conseguir um salário
melhor. Povo é o motoboy que trabalha por hora e faz protesto para
melhorar as condições de trabalho do setor dele; Povo é o taxista
ou o Motorista de Uber (mesmo que um brigue com o outro), ambos
trabalhando no carro dos outros, para levar comida pra casa… se
eles arrumarem tempo pra se candidatar, vote neles porque isso é
“povo”. Povo é o funcionário público concursado, que tinha
capacidade para “ser patrão”, mas preferiu a vida de “servidor”,
e apoia o sindicato como trabalhador. Isso é povo! Povo é o
vendedor ambulante ou a Dona Maria feirante que se importam e são
atingidos pela legislação urbana que beneficia os grandes
empresários e destrói o meio ambiente nas cidades, com a mesma
violência que ataca os camelôs. Povo é o estudante da rede
pública, preocupado com a universidade pública, gratuita e de
qualidade, envolvido no movimento estudantil, desde o ensino médio.
A mãe de santo, que vive no mesmo bairro desde criança, que cuida
do seu terreiro, de seus Orixás e da saúde da vizinhança… ajuda
quem precisa com conforto espiritual e plantas medicinais. O padre ou
pastor de pequenas igrejas que não alimentam ódio, que se ocupam de
celebrar Jesus cuidando dos pobres, sem chantagear eleitores, que não
trocam votos por marmitas, esses são “o povo”. A mãe de família que vive nos assentamentos de Reforma Agrária e nos territórios quilombolas, indígenas, trabalhando com técnicas ancestrais,
cultivando sem agrotóxico, se alimentando do que produz, vivendo do
turismo ecológico e do extrativismo, é "o povo". Acredite nessas
pessoas; se uma delas se candidatar, vote nela para que possam ser
governo, mas não se afaste delas. Fique com elas para lembrá-las
que elas estão “no governo” mas serão pra sempre “do povo”.
Brasil de Fato [2]
Lembre-se
que “o povo” é você (porque governante rico, não se dá ao
luxo de ler este blog). Insisto que você é povo… e se você não
se reconhece em nenhum desses candidatos que eu indiquei como “gente
do povo”, seja você a pessoa que representa “o povo” no
governo. Se você, sendo “povo” se candidatar, creio que eu e o
povo, podemos votar em você. É nós por nós.
Chegaram as eleições
2024.
E aí, como vai ser? Você vota no povo ou o povo vota em você?
[1]. Reportagem: a Máquina Oculta de propaganda do iFood
[2]. Reportagem: Documentário “O Povo Pode?” no site do Brasil de Fato
[3] Link para vídeo documentário [o Povo Pode]