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Deriva.
Deriva é a única
palavra que me vem à cabeça, quando deixo solto o fio de teia que
desliza a partir do meu pensamento. Se não for a única, porque
muitas outras deslizam por baixo e depois dela, é sempre a primeira.
A primeira palavra é deriva… deriva desliza, desmancha-se e se
desenrola no ar como uma fina trilha de fumaça bailarina que se
desprende do insenso numa sala meio escura. Um filete suave que
suspende meu raciocínio prático, e absorve a si mesmo nessa dança
cheia de incertezas, rica e aleatória… um fio a deriva, solto
começa toda a história.. Na borda da palavra deriva, outra palavra
se prende… e depois dela outra, e mais outra, formando uma rede,
uma teia um fractal de ideias… que custo a deixar sem acentos, em
constante desrespeito à reforma da minha língua materna…
deriva... incerteza; bordas, dobras, identidades alteridades
diversidades. Formas de ser; jeito de estar.. homem nordestino negro
filho da mãe, criado com vó. Em família matrifocal (e não matriarcal), com
descendência matrilinear; humanista convertido ao feminismo e depois
disso, ao feminismos das pretas… ao ativismo negro. Negro
ativismo… nunca negativismo. Primeiro me veio uma Fala preta! E
depois a fala da Sueli Carneiro, marrenta e ao mesmo tempo cheia de amores! Mulheres de Geledés (que se lê Gueledéz, talvez Gueledé... nunca Jeledez!)…
onde reconheci as mulheres da minha família ancestral. Não exatamente onde, mas também onde conheci a letra falada de Cidinha Nessa deriva,
me atravessa como faca, toda aquela conversa sobre ser homem… essa
de masculinidade; e as brincadeiras sexuais, nem sempre
heterossexuais, quase nunca tolerantes; na maioria das vezes
invasivas, violentas, mesmo quando (ou talvez mais ainda) "apenas"
simbolicamente… na maioria das vezes, violentas.. Ser homem ou nada. A paternidade e o cuidado, ajudando a reformular essa
experiência. Ser homem e cuidador… à deriva por novos fluxos… das linhas e fluxos maquínicos do discurso e do poder, do poder sobre o discurso... deparei-me com outros percursos... o RAP salva vidas, o filme invisível Amarelo de Emicida é o elo que melhor liga as redes dessa história. Porque no resto da rede o circo pega fogo e o palhaço não tem dado sinal de que se importe... Ele prefere importar o remédio descartado pelo cowboy. Este exercício de escrita torta, esparramada na porta, eu fiz enquanto pensava na rota que deveria dar à linha da minha vida... e olha, que a palavra deveria, não me liga a outra melhor do que deriva... que teia! Para entender o que eu quis dizer ou o que diria, pense como pensaria, como delinearia esse mesmo novelo de pensamentos um autor emaranhado assim como um Fernand Deligny.