quarta-feira, julho 26, 2006

Uma onda no ar contra a hipocrisia republicana

"Ô pessoal! Vamo' falar sério! aqui nesse país não tem democracia racial, coisa nenhuma, não! Essa é a maior mentira do mundo".


O filme dá rosto e espalha no vento uma voz que há muito se fazia necessário ouvir. Não é de admirar que o sistema venha tentando sufocar sua repercussão. Quantas pessoas ouviram falar deste filme? Em quantas salas de projeção no Brasil ele foi exibido?

Comparado com Cidade de Deus, este filme ocupa uma posição exatamente oposta. Ele é uma aposta no lado certo da vida errada. Mas, um filme como esse só desperta um interesse, na midia convencional: o interesse em silenciá-lo.
Ele coloca em cena uma série de questões polêmicas: como a exclusão social, a violência policial, as vantagens oferecidas aos jovens com o alistamento no tráfico, todas essas questões que já são lugar-comum, que já tantas vezes foram retratadas no cenário pirotécnico da cinedramaturgia Global. Repete tudo isso, mas acrescenta de modo brilhante e contudente, dois pontos ainda discutidos precariamente na highway do cinema brasileiro: o monopólio exercido pelo cartel mafioso das redes nacionais de telecomunicação e o racismo à brasileira.


No Brasil, a maior parte das concessões públicas de Rádio e Televisão foram obtidas de maneira obscura no período da Ditadura Militar e até hoje nunca foram contestados. Brau, um dos personagens mais bonitos, afirma com toda razão:
- " O ar é de todos. (...)
A praça: é do povo;
o circo: é do palhaço;
o galho é do macaco
e o ar é de todos".

Mas, apesar do que observa Brau, o cartel das emissoras de Rádio e TV continuam usando a força da polícia, e da mistificação (fala-se até em interferência nas comunicações dos aviões, sem que haja qualquer estudo comprovado). Tudo para garantir que o ar seja propriedade particular e ocupado exclusivamente por uma elite dominante, que além de rica é branca. Esse é o segunto ponto contudente em que toca o filme de Helvécio Ratton, o racismo no Brasil.

Embora tenha sido lançado há quatro anos e fale de uma história iniciada há pouco mais de vinte, o filme nos arrasta para um problema do passado escravista, desmontado(?) há mais de duzentos anos. Ao mesmo tempo em que nos coloca diante de uma polêmica muito atual, fruto dos dias em que vivemos, aqui no Século XXI.
Lebremos que, há poucos dias, um grupo de intelectuais brasileiros (e estrangeiros radicados no Brasil) lançaram uma carta pública de repúdio ao Projetos de Leis que instituem o Estatuto da Igualdade Racial (PL 3198/2000) e a Política de Cotas para Negros (PL 73/1999) nas universidades brasileiras. Com seu ataque, esse grupo tentava nos convencer de que o fim do racismo deve ser alcançado por meio de políticas universalistas - que atendam a todos sem distinção de pertencimento étnico/racial, evocando solenemente como argumento o respeito aos princípios republicanos.

Ainda que tenha sido suplantado por uma reação coletiva que soma, hoje, 2.151 assinaturas frente às 749 reunidas desde maio. A petição contra o Estatuto da Igualdade Racial vem demostrar que Jorge, o protagonista de Uma onda no ar está certo em afirmar que a democracia racial é uma mentira. Basta conferir os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) que apontam a existência de um Brasil dividido, um mundo dos que podem e outros dos que só se f...; um mundo dos morcegos e outro das corujas; Sabendo que "coruja que acompanha morcego, dorme de cabeça pra baixo".

O que a petição, esse tiro que saiu pela culatra, mostra é que o Brasil de cima quer continuar por cima...impondo a manutenção das regras do jogo nos termos de quem já está por cima. Aqui, leia-se os valores republicanos... o que o filme Uma onda no ar procura mostrar, é que é possível resistir. Saiba-se: contra a dominação do mercado midiático empresarial. Senão pra sempre e de modo definitivo, ao menos por muito tempo e de modo significativo. Uma ironia, uma cusparada, um verso, uma rima, uma música, uma antena... um blog ou uma lista de e-mails...