A Companhia de Teatro Nu Escuro sintetiza, para mim, um conjunto de sentimentos ligados às minhas experiências com o Teatro, que ainda não pude ver em nenhum outro grupo. O pessoal do premiado e famoso grupo de teatro trabalha com a espontaneidade de um palhaço de circo, a competência técnica de um artesão experiente e a sensibilidade de uma criança fascinada pela mágica do Teatro. Eu gostaria de poder avaliar esse trabalho com o mesmo nível de espontaneidade e competência técnica, mas só posso falar como aquela criança, que encontrou o teatro pelo seu lado mais escuro e fascinante.
"Hoje a Banda Não Sai" é uma peça bastante conhecida à julgar pelo número de encenações, escrita pelo poeta e não muito famoso, Severino Tavares. Digo não muito famoso, considerando a baixa ocorrência de seu nome em sites de buscas pela internet (e isso lá é critério?!). Talvez o escritor seja conhecido e reverenciado no meio teatral às margens da minha vasta ignorância. Mas é justamente esse o ponto. A minha ignorância acerca das coisas do Teatro, a despeito do fascínio e da importância que esse universo tem pra mim.
Minha entrada no teatro deu-se muito cedo, desde pequeno - entre meus oito ou nove anos, quando o diretor José Francisco Filho, assumiu a direção do Grupo de Teatro Corpo & Cena, do Sindicato dos Bancários. Não me entendam mal, em meu primeiro contato com o teatro eu fazia o papel de filho de uma das atrizes, esperando a mãe terminar o ensaio, perambulando entre as cadeiras ou as cortinas. Ou seja, eu era "eu mesmo" e quem se apresentava era a minha mãe. Que interpretava a Beata em Hoje a Banda Não Sai. E eu, criança muito bem comportada, assisti o ensaio, saindo do lugar apenas para mudar o ângulo em que eu via a cena.
Depois veio o Macaco Misterioso, em que de fato pude acompanhar todo o processo de montagem, já que com a peça anterior eu tinha ficado fascinado apenas com o que pude ver da confecção das máscaras em papel e gesso, e de um ensaio geral. Com o Macaco pude assistir desde a primeira fase da produção, os primeiros ensaios, pude ler o Cordel de Jõao José da Silva, que dava origem ao roteiro da peça; pude ver os primeiros movimentos, ensaiados na quadra da Escola dos Bancários (que foi fechada, pela primeira gestão sindical filiada à CUT, sob o argumento de que manter uma escola privada para os bancários era assistencialismo burguês - e era mesmo. Mas fechar a escola e vender o prédio não ficou muito longe do gesto capitalista de corte de gastos sacrificando a política social). No pátio da Escola, aos sábados, enquanto brincava no parquinho pude assistir à evolução de toda a peça. Entre uma brincadeira e outra, eu ficava atento às cenas mais engraçadas, às intervenções do diretor, aos objetos e roupas que eram usados para improvisar, enquanto o figurino e a cenografia definitiva não estava pronta. Depois com o Teatro escolhido, pude assistir alguns ensaios, dos bastidores, os testes de iluminação, as marcações e as transições.
Esse período de observador do "making off" do teatro, foi enriquecido pelas peças infantis que pude assistir com certa frequência, levado pela minha mãe. Algumas vezes ela até nos levava para conversar com os atores e atrizes depois do espetáculo. lembro bem, em uma encenação de A Onça e a Cabra. Além disso tinha a parte mais dramática, como filho de uma das atrizes, eu estava por perto do grupo também nas festas e confraternizações. E pude acompanhar, ainda que em relances, os dramas românticos e as cirandas de amor que se desenrolavam entre eles. A moça que se apaixonava pelo rapaz que não gostava de moças, mas que ia se casar pra poder sacar o PIS; o rapaz que amava rapazes, mas fingia que tinha uma noiva para não contrariar o pai autoritário, a outra moça apaixonada pelo homem bem mais velho e bem casado. Gente que sofria muito, mas que também gargalhava alto e generosamente. Com certeza tudo isso, afetou minha vida de um jeito belo e poético, aumentando minha sensibilidade para a arte, em especial o Teatro. Claro que sensibilidade não é suficiente para fazer de ninguém um especialista ou artista talentoso no meio teatral.
Isso ficou claro quando, alguns ano depois, eu me envolvi na formação de um grupo de teatro no bairro onde morava. Chegamos a encenar uma Auto de Natal. Mas, nada que pudesse ter prosseguimento, ao menos para mim. Depois dessa experiência descia o pano da minha vida no teatro por um longo tempo. Mesmo assistir peças tornou-se algo menos frequente. Assitia uma peça ou outra, mais ou menos maravilhado. Algumas me impressionavam muito como a montagem de Compenhagen, estrelada por Carlos Palma, outras, prometiam, mas nao se mostravam grande coisa. Mas, em todo caso, o teatro continuava sendo pra mim, um lugar escuro e mágico que me fascinava sempre, mesmo quando eu não encontrava nada que me trouxesse o sabor das experiências vividas na infância.
Até que conheci aqui em Goiânia, Pedro Plaza Pinto, o rapaz magrelo de nome engraçado, que integrou por um bom tempo a Cia de Teatro Nu Escuro. Este meu primeiro contato com o Teatro em Goiânia deu-se no Teatro Inacabado. Quando ainda não dava pra saber se esse era o nome do teatro ou um adjetivo para seu estado evidente, pelo piso sem acabamento, e pelas madeiras e lonas plásticas em lugar de paredes. Naquele Teatro o Nu Escuro apresentava uma série de quadros curtos que misturavam comédia, pantomímia, "boca do lixo" e outros estilos que eu na minha vasta ignorância das coisas do Teatro, não poderia enumerar. O importante foi que aquela apresentação naquele cenário tosco do Teatro Inacabado, em que parecia não haver diferença entre os lugares da plateia, os corredores de acesso, e os bastidores do teatro - tudo era lona, madeiramento e assoalho exposto -, fui arrastado de volta às minhas experiências infantis no escuro do teatro. Assisti depois uma encenação ao ar livre de "O Cabra que matou a Cabra"... confesso que não me encantou tanto o riso medieval - que agradaria com certeza ao Mestre Ariano Suassuna. Mas as máscaras, o figurino e a cenografia montada numa praça da Vila Mutirão, me jogaram vertiginosamente no passado novamente. Desta vez na arena de teatro do Sítio da Trindade, em Recife.
E foi assim, sempre que assisti a um espetáculo do Nu escuro. Uma volta vertiginosa ao passado, uma fascinante jornada em busca do Tempo Perdido. Para descrever o que senti com O Alienista, eu teria que fazer uma postagem completa. É preciso Olhar, Plural... cada história um novo arrebatamento. Com Gato Negro não foi diferente, nas duas apresentações da temporada itinerante que pude assistir, uma à noite e outra à tarde, fiquei novamente encantado com a espontaneidade e a competência do grupo em re-inventar o velho e redescobrir o novo.
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