domingo, dezembro 06, 2020

Les personne noir au le Carrefour ou Pessoas negras na Encruzilhada - um trecho de 2020

[...aviso aos navegantes: vazei esse trecho sem autorização do Editor, então - se ainda está feio, é minha responsabilidade, se já estiver bom, divido com ele a ideia de falar sobre isso] 

...Outro dia eu fiz uma pesquisa rápida na internet procurando por “jovens mortos pela polícia” entre as pouquíssimas imagens de garotos brancos, fui atraído pela foto de um rapaz com traços de trissomia do cromossomo 21, em que podia ver a legenda: “Jovem com síndrome de Down é morto po...” cliquei na foto acessando o link para o site da Veja. Lá pude ver melhor a foto e ler a manchete: “Jovem com síndrome de Down é morto por policiais na Suécia.” Tratando-se do caso de assassinato cometido pela polícia contra Eric Torell , rapaz de 20 anos, diagnosticado como autista, que carregava uma arma de brinquedo... na Suécia!

Aqui no Brasil - enquanto não viramos a Suécia, que temos vocação para superar - em resposta a esse racismos institucional, ou mais especificamente ao racismo estrutural, sobre o qual vem falando o professor Silvio Almeida,  o Senador Paulo Paim apresentou um projeto de lei que endurece a pena contra atos criminosos que possam ser associados ao racismo. Poderíamos batizar de Lei João Vitor, ou Lei João Beto, para lembrar os assassinatos praticados sob o teto cúmplice das redes Carrefour Brasil e do Habib’s. Mas seria querer muito, esperar alguma atitude crítica desse tipo de comércio, plantado na tradição escravocrata e colonialista da França e de Portugal (sim, o Habibs com sua comidinha árabe, é na verdade um negócio de família portuguesa. Nada de mais, pra quem conhece História, certo?). Mas se quisessem poderiam seguir o exemplo da Magazine Luiza, ou simplesmente Magalu.  Que bancou a iniciativa de oferecer programas voltados para inclusão de negros em lugares de poder, dentro da própria empresa. Num gesto que - mais do que sinaliza, se envolve com - a promoção da igualdade, a partir da criação de oportunidades igualitárias.

Aí, vem o outro lado do problema: O Carrefour anunciou a formação de um comitê de especialistas, incluindo negros e negras experientes em diversas áreas, para apresentar alternativas para evitar novos casos como o assassinado de João Beto em Porto Alegre. O comitê seria composto por Rachel Maia, Adriana Barbosa, Celso Athayde, Silvio Almeida, Anna Karla da Silva Pereira, Mariana Ferreira dos Santos, Maurício Pestana, Renato Meirelles e Ricardo Sales. (dizia a notícia no site da Época Negócios publicado em outras fontes também). Uma observação à parte, é que acho que essa lista já é algo importante, pela conexão que faz entre pessoas negras de áreas diferentes, permitindo que qualquer negro de periferia, procure rapidamente referências para desenvolver seus interesses pessoais... minha nega, meu nego, salve essa lista nos seus contatos! Mas voltando ao assunto...

Várias vozes de ativistas negros se levantaram contra a ideia do comitê desde o princípio. O movimento Coalizão Negra por Direitos manifestou sua rejeição ao comitê, e organizações como o Partido da Causa Operária também criticaram duramente a ideia, e os que a ela aderiram. Listado aí, o Prof. Silvio Almeida, jurista e filósofo, reconhecido por sua crítica ao racismo estrutural, e ao capitalismo como sistema dependente do racismo, foi um dos mais criticados pois os analistas acharam contraditório alguém que critica abertamente o capitalismo como um sistema essencialmente racista, aceitar compor um dispositivo que serviria para “limpar a imagem” dos empresários capitalistas. Um desses analistas foi Leonardo Sacramento, responsável por um blog chamado Fanom e Política, que dissecou detalhadamente os aspectos da contradição.

Entre as várias observações que Leonardo Sacramento faz, uma diz respeito ao modo como um dos convidados a colaborar com o Carrefour reagiu. Segundo sacramento, o humorista Yuri Marçal conhecido por sua acidez engraçada contra o cotidiano racista do brasileiro, especialmente do branco brasileiro, recebeu proposta da empresa para que participasse de uma campanha publicitária e respondeu com um bem ácido e (só talvez engraçado) “vai tomar no cu”. O texto de Leonardo inteiro é muito bom, não precisa concordar com tudo, mas vale ser lido, mesmo depois que 2020 acabar... (supondo que 2020 vá acabar... e que vá acabar antes do fim do mundo)

O texto de Leonardo Sacramento foi repercutido no grupo de Psicólogas e psicólogos negros do Brasil, por onde circulam informações relativas à Articulação Nacional de Psicologas(os) Negros(as) – ANPSINEP. Produzindo diferentes posicionamentos.

O meu eu compartilho com vocês aqui (pra ver se vocês se interessam pela conversa toda que está no livro 2020 da Editora Fortunella - #contempublicidade #2020 #Fortunella). Vai no link da pré-venda, enquanto há tempo!

Começo pensando no nome do tal supermercado: Carrefour (todo mundo aqui sabe que uma tradução pra Carrefour é encruzilhada?). Então penso no caso como "as pessoas negras na encruzilhada"  - em francês poderia ser: les personne noir au le Carrefour.

Não tenho dúvidas sobre o fato de que o que houve no Carrefour é um caso Racismo estrutural. Mas também é um problema de psicopatia institucional. Sim. Podemos dizer que isso do Carrefour é coisa de psicopata. E eu explico o porquê; segue o raciocínio do psicólogo:

A análise institucional é um campo de estudos ou de atuação, que aciona conhecimentos de psicologia, psicanálise, economia e sociologia, para entender os processos e dinâmicas existenciais das organizações, das instituições. Cornelius Castoriadis com o livro A instituição Imaginária da Sociedade ofereceu ferramentas para analisar a instituição como um processo dinâmico, com instâncias e momentos instituintes e instituídos, relacionados aos movimentos do poder, em que estão implicados aspectos da violência e do desejo na luta de classe.  

O cerne da Análise institucional é que este enfoque nos permite pensar, por analogia, a organização como uma pessoa. (riquíssimos os sentidos de pessoa, hein? Não pára aqui, não; vai buscar mais). E como qualquer pessoa pode desenvolver patologias, as instituições também adoecem... independentemente de serem física ou jurídica, são pessoas.

Além de não precisar dizer que estou fazendo uso de uma licença poética, sem fundamentação teórica, eu não vou entrar na discussão que os ativistas da Luta Antimanicomial fazem acertadamente sobre os problemas do diagnóstico psiquiátrico e do uso de categorias patológicas, imprecisas para definir pessoas que são diferentes. Nem vou lembrar que receber um diagnóstico de psicopata, não significa autorização para praticar assassinatos. Não vou fazer isso, porque aí a discussão seguiria um outro rumo. Aqui, vou assumir como pressuposto que as psicopatologias  são fatos e que o diagnóstico é a revelação dos fatos sobre as pessoas com psicopatias.

Se fizermos uma pesquisa rápida, temos grosso modo uma definição de psicopata:

*Os traços-chaves que os sociopatas e os psicopatas têm em comum incluem:

·         Um desrespeito pelas leis e costumes sociais;

·         Um desrespeito pelos direitos dos outros;

·         A falta de remorso ou culpa;

·         Uma tendência para mostrar comportamento violento;*

  Então, vejamos: Na trajetória conhecida do Carrefour temos:

·         Assassinato de cachorro;

·         Agressões de mulheres, incluindo estupro.

·         Ocultação de cadáver

·         E assassinato.

 

Isso não é ou não é a trajetória de um psicopata??

 Quanto à formação de um comitê de pessoas negras especialistas de várias áreas para oferecer soluções aos problemas do Carrefour (atravessado por protestos de diferentes ordens: desde o questionamento da legitimidade desses especialistas como líderes ou representantes da população negra, até a acusação de terem se vendido, passando pela condescendente crítica da ingenuidade), a minha opinião é dada como psicólogo (na forma de uma pergunta):

O que respondemos, se formos procurados por uma pessoa psicopata homicida, que pede nossa ajuda para deixar de ser homicida?

A) "Vai tomar no cu!"

B) "hum! fale-me mais sobre isso!"

C) "Nenhuma das alternativas está correta"

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Esta é a encruzilhada. Atender ao pedido do louco e tentar encontrar uma solução transformadora – se é que possível - para que ele possa viver sem causar danos a si e aos outros? Ou aceitar que o louco não tem solução e condená-lo mesmo ao cárcere e à morte social? O povo negro está na Encruzilhada. Pra que lado vamos?

 

quinta-feira, maio 28, 2020

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus

Quando? acho que era 1991 ou 1992; Onde? Em Recife, no bairro das Graças, na vizinhança da ETEPAM, também conhecida como Escola Técnica Estadual Professor Agamemnom Magalhães. E quem? A figura principal desta história tem o mesmo nome de personagem de uma canção da Legião Urbana... mas na época, eu ainda não sabia o seu nome. Nem sabia que ela existia... quem chamou minha atenção para sua existência foi uma colega, que apontou pra ela no outro lado da rua, da varanda da sala de desenho, onde ficávamos nos intervalos das aulas. (parece que essas varandas foram interditadas aos alunos e seguem refletindo uma política educacional que parece se valorizar mais pelo que restringe e menos pelo que estimula na vida de estudantes.)...
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A colega mostrava-se interessada pela figura, intrigada com o fato - para ela esquisito - de que a jovem protagonizava uma cena rotineira. Um casal, uma moça e um rapaz (naquela época este adendo era desnecessário por óbvio, mas hoje, felizmente, esta marca heteronormativa caiu em desuso) dirigia-se ao ponto de ônibus, entre risos e abraços, trocas de carinhos e beijos, de modo descontraído e ao mesmo tempo teatral. Um misto de "só existe você e eu" com "tá todo mundo olhando pra gente". O casal de amantes ficava por ali, um tempo, até que chegava o ônibus. Um deles subia, relutante, despedindo-se pela janela, enquanto o outro, solitário seguia à pé, voltando na direção de onde tinha vindo... O que deixava minha colega de varanda intrigada, (talvez até chocada), não era esse ritual romântico de um amante acompanhar o outro, até o ponto do ônibus; mas o fato de que o amante que ficava era sempre a mulher do casal , enquanto o homem partia, seguro no coletivo... isso era, para minha colega observadora, uma inversão de papéis, com a qual ela não estava acostumada... se hoje, parece que eu não concordo com ela, na época, não esbocei nenhum traço de reflexão feminista. Pelo contrário, aderi pacificamente ao cordão dos escandalizados com aquela menina... e a vida seguiu.

"Algum tempo depois..."
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Fiquei sabendo que aquela menina, era a mesma com quem um outro colega estava namorando. Desta vez o fato intrigante envolvia, além da mesma jovem e um outro colega, um terceiro. Não exatamente por um triângulo amoroso. Mas pelo fato de que os três, costumavam ficar próximos,  passando tempo livre no pátio da escola, enquanto o casal, trocavam seus beijos e abraços como seria de praxe, o terceiro permanecia do lado, numa prosa leve, e tranquila com os dois... razão pela qual era acintosamente acusado de bancar o "segura-vela" (aposto que você riu, mas era assim que se identificavam ainda nos anos 90, a figura que acompanhasse um casal de namorados, sem ter nada melhor pra fazer, pois o poli-amor, tinha ficado nos anos 60, e dado dor de cabeça para nossos pais). Pelo que me lembro, posso estar invertendo a ordem dos fatos, e esta segunda narrativa seja anterior à primeira. O importante é que são duas cenas em que a jovem, homônima da alma gêmea do Eduardo de Renato Russo, aparecia escandalizando os costumes da época (aposto que você riu de novo... mas é verdade, os costumes dos jovens nos anos noventa eram quase tão caretas quanto o governo do Brasil de hoje... de onde você acha que veio todo esse apoio à família, tradição e propriedade?).
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"Segura vela de amor platônico...
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Por fim, numa terceira cena, fiz contato com a moça, Mônica Johnston, aliás, a única que vai ser nomeada nesta história, porque esta postagem é uma resposta carinhosa ao seu desafio de facebook, sobre quem lê suas mensagens (uma coisa chamada fruta-pão, ou algo assim). E um breve resumo de como passei de observador escandalizado a fã incondicional de sua figura. Como dizia, na terceira cena, encontrei Mônica, agora não mais como um pronome da terceira pessoa, mas uma segunda pessoa, um Tu cheio de afeto e respeito. E logo depois num caloroso plural, nós. Conversávamos os três. Ela, um novo amigo e eu... A verdade é que esse nosso novo amigo, estava mais interessado nela, do que em mim. Mas, por achar que ela e eu, éramos amigos de longas datas, foi me dando espaço na conversa dos dois... E eu, que do meu ponto de vista, fazia dois novos amigos, fui tratado como se fosse velho amigo de ambos. E acabei sendo mesmo... velho amigo de ambos. Por algum motivo, e por várias vezes sentia que eu estava agora no lugar daquele terceiro amigo da história anterior, sendo eu o segura-vela. Pra fazer uma analogia poética com a canção de Renato Russo, poderia dizer que ela era Mônica, ele Eduardo e eu: o próprio Renato, porque "nossa amizade dá saudades do verão"... mas assim como eu estou longe de ser Renato Russo, o meu amigo não tinha nada de Eduardo... Mas ela gostava mesmo de Manuel Bandeiras e conhecia as músicas do Bauhaus..
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Inclusive, ela chegou a me dizer que conhecia um peruano chamado Pablo. Mas essa já é outra história
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Né Mônica?